Muitos pais quando vão morar no exterior, levam consigo seus
filhos, alguns até nascem lá, e esta família deixa de ser 100% brasileira. Os filhos crescem em um lugar diferente,
aprendem a falar uma língua estrangeira, muitas das vezes, melhor que a língua
“materna”, chega um momento onde você se sente sem pátria e sem raízes e tem
que “voltar” para o que chamam de “seu país”. Isso foi o que aconteceu comigo.
Fui para a China com dois anos, eu já falava português bem
para uma criança desta idade e tive a sorte de não perder o pouco que sabia nos
anos que estive longe do Brasil. Quando fomos para a China, fomos em 4: eu,
meus pais e minha irmã mais nova, a terceira nasceu em Macau (colônia de
Portugal na época) oito meses depois.
Esquerda: Eu, meio:minha irmã Mônica, direita:chinesinha local |
Mesmo sendo muito nova, lembro me do primeiro dia que meus
pais me levaram para a creche, era uma creche portuguesa, com professores
portugueses e os alunos eram filhos de portugueses. Nunca entendi como, mas no
primeiro dia quando perguntaram meu nome e abri a boca para responder:
“Karina”, falei com sotaque de português de Portugal mesmo nunca tendo
aprendido, parece estranho mas várias das professoram não sabiam que eu era
brasileira até conhecerem meus pais. Na escola eu usava meu sotaque português e
em casa o “brasileiro”.
Quando fiz 5 anos, minha mãe me matriculou em uma escola
luso-chinesa onde eu terminei o jardim de infância e fiz a primeira série, em
cantonês. Foi estranho de início, eu não entendia nada e ficava sentada na sala
de aula brincando com meus dedos ou meu cabelo, muitas vezes a professora
chamava minha atenção, mas o que eu podia fazer? Tudo passou a ser mais rígido,
os alunos eram cobrados como se fossem robôs, eu ficava até nove da noite
tentando fazer os exercícios que na época pareciam impossíveis para uma criança
de 5 anos. Meus pais não entendiam nada e várias vezes tivemos que ir até o
porteiro do prédio para que ele nos explicasse o que a palavra ou a frase
significava.
5 anos de idade - usando um chapéu do povo local |
Eu não brincava muito, as vezes ia ao parque no fim de
semana e ficava horas no balanço, eu ficava me balançando e pensando na vida,
tinha algumas bonecas em casa mas também não era o que eu gostava. Para falar a
verdade, eu sempre quis ser adulta, desde que eu me entendo por gente.
Detestava quando as pessoas me tratavam como criança e ficava contando os anos
para completar 18. Na minha cabeça, somente quando eu completasse dezoito anos
eu poderia tomar decisões próprias e ir para onde eu quisesse.
Aos sete anos, nos mudamos para Cantão. Foi onde eu comecei
efetivamente a aprender mandarim e traduzir para os adultos que ainda não
tinham aprendido a falar tão bem, porque até então eu só falava português e
Cantonês (língua oficial de Macau).
Aos oito, nos mudamos novamente, desta vez, para Kunming,
onde ficaríamos os últimos 10 anos. Bom, falar assim é fácil mas neste meio
tempo, tentamos morar na Índia, conhecemos outros países na Ásia, voltamos para
o Brasil, moramos quatorze meses nos EUA(em dois Estados diferentes), voltamos
para Kunming, três anos depois tiramos férias no Brasil, retornamos mais uma
vez para a China e assim foi...
Minha vida foi sempre uma correria, mudando de uma casa para
outra (17 ao todo), de cidade para outra (13) e eu deixei de ter um lugar onde
eu podia chamar de “lar”. Para um adulto que escolhe esta vida, isto é apenas
fruto de suas escolhas, mas para uma criança é bem diferente.
Viajando de ônibus no interior da China |
Por estas razões, nunca tive amigos de longa de data, sempre
tinha que fazer novas amizades e me acostumar com um lugar diferente, isso
acaba tornando a pessoa mais fria, sem vontade de se relacionar para não se
machucar.
Educação também foi um desafio, com tantas mudanças...Às
vezes pulávamos de ano, outras vezes repetíamos, algumas matérias de matemática
estudei três vezes em diferentes anos e escolas, outras coisas básicas eu nunca
estudei mas a experiência de vida compensou.
Nesta era da tecnologia, onde sabemos mais da vida dos outros do que da nossa, tudo está bem mais fácil, mas quando
eu era criança, antes de existir “Skype”, pagávamos 8RMB por minuto em ligação
para o Brasil, isto representava uma boa refeição em um restaurante. Só quem
viveu fora naquela época sabe o que é saudade de verdade. Hoje temos facebook,
whatsapp e estamos conectados com todos ao mesmo tempo, mas houveram épocas que
tínhamos que esperar o natal para poder ligar para a minha avó.
Na cidade onde morávamos, haviam vários itens básicos do dia
a dia que não encontrávamos, em 1999, dificilmente achávamos fraldas para
vender, desodorante por exemplo, era raridade.
Em compensação, tivemos muitas oportunidades, viajamos,
aprendemos novos idiomas, amadurecemos rápido, tivemos fácil acesso à
tecnologia bem antes dos brasileiros, fizemos coisas inimagináveis, vimos mais
do que as palavras podem expressar....... E hoje temos muitas histórias para
contar.
Incrível! Mais um texto impecável, adoro seu blog bjs
ResponderExcluirMuito lindo seu texto. Me emocionei! Por mais difícil deve ter valido a pena. É perdas e ganhos, não? :')
ResponderExcluirMe identifiquei 95%, conseguiu tirar umas lágrimas minhas! Lindamente redigido, parabéns... Poderia ter sido a história da minha vida não fosse por pequenos detalhes.
ResponderExcluirObrigada pessoal, fico feliz que vocês tenham gostado.
ResponderExcluirOlá, Karina, agradeço por você compartilhar este lindo depoimento.
ResponderExcluirEu ainda li escutando você cantar,pois havia aberto no youtube
a lenda do amor. gostei muito de tudo.
Wow...que experiência de vida vc tem moça! mas confesso que ao ler o seu post eu me senti um pouco triste...nostálgico talvez...não sei explicar. Tudo serve de aprendizado nessa vida,não é mesmo? E vc pode vivenciar e aprender coisas em 1999 (mandarim,por exemplo) que só hoje em 2015 os brasileiros estão começando a se interessar...aos poucos...a passos de tartaruga...se é que estão se interessante realmente. Para um povo que mal fala inglês (eu sei...eu sei...por inúmeros motivos),mas...enfim! adorei o seu post! ;) o seu blog é muito rico em relatos! obrigado.
ResponderExcluirNossa, Karina. Que texto comovente!
ResponderExcluirComecei a viajar aos 21 anos e, desde então, o meu mundo se transformou (atualmente estou a caminho dos 27). Aprendi novos idiomas, consegui descobrir as coisas que mais me fazem feliz, mudei os rumos da minha carreira e aprendi um bocado de tantas outras coisas das quais me orgulho. Sempre me perguntei como teria sido a minha vida caso eu tivesse começado a viajar antes. Como será que eu estaria hoje? Ainda não decidi se quero ou não ter filhos, mas, caso tenha, sempre pensei que tentaria criá-los no exterior, por causa daquela velha história de que a vida no Brasil não é fácil. E que, talvez, os criaria de uma forma parecida com a que você foi criada.
Mas acabei parando pra ler o seu relato e, pela primeira vez, me pergunto: será que toda essa bagagem - não a física, mas o mix cultural gigantesco advindo de tantas viagens - não é demais para uma criança que ainda nem aprendeu a construir relações? Imagino o quanto deve ser triste você ter que partir sempre querendo ficar, sem entender os porquês e as vantagens por trás das viagens.
Realmente não sei qual conclusão tirar disso... Caso você deseje, gostaria que me respondesse se preferiria ter viajado menos quando era criança, já que agora você atingiu a fase adulta que sempre sonhou e já pode tomar suas próprias decisões :)
Um grande abraço!
Oi, olhando com os olhos de hoje, eu gostaria de ter me mudado menos. O problema não é viajar nem morar longe, o mais difícil é estar distante, distante dos parentes, distante do seu país, principalmente quando a pessoa(eu) só volta para o Brasil 1 vez a cada 4 anos. Me mudei mais de 16 vezes em 21 anos de vida. Foi mais do que o ideal.
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